Comunismo

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Comunidade para discussões em geral relacionadas à teoria e prática marxista. ☭☭☭


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Há uma mania de certa parta da esquerda, ao se confrontar com tal pergunta, em responder da maneira mais reducionista possível. O que costuma acontecer é que a resposta geralmente é: “mas não é porque tá no nome que de fato seja, há tantas coisas com um nome totalmente diferente do que é”. E, ok, isso não é uma mentira, realmente o nome, a capa, ou qualquer coisa assim não é suficiente para definir um fenômeno.

Acontece que existiu uma razão para o nazismo se apropriar do termo socialismo, e essa razão extrapola a lógica de apenas se apropriar do termo para enganar as pessoas.

Felizmente, na disputa pelo termo os marxistas ganharam sem sombra de dúvidas, pois, atualmente, toda vez que alguém escuta a palavra socialismo, logo se lembra de nós, os marxistas. No entanto, o termo não foi inventado por Marx e Engels e antes deles diferentes pessoas utilizavam o termo para se referir a diferentes pensamentos.

No caso específico de Hitler, o socialismo a qual ele se referia era um socialismo tipicamente CONSERVADOR e alemão. Sim, por incrível que pareça existe (ou existiu) um socialismo conservador totalmente diferente do socialismo marxista.

Como sabemos, a Alemanha teve uma história completamente diferente das anteriores potencias mundiais França e Inglaterra. A Alemanha conseguiu unificar-se somente em 1871 (nesse período França e Inglaterra já tinham se unificado há tempos, tinham passado por revoluções e etc) e essa unificação aconteceu sob um Império, o conhecido II Reich. O I Reich teria sido o Sacro Império Romano Germânico, que contemplava partes da Alemanha (e os aristocratas reivindicavam como sendo o passado alemão) e o III Reich, como todos sabem, o de Hitler.

Antes da unificação, a Alemanha vivia numa espécie de semifeudalismo, mas de qualquer forma, a Alemanha não teve sua própria revolução burguesa como a Inglaterra e a França, e isso fez com que a tradição cultural do país não fosse tipicamente iluminista como nas duas outras nações, mas sim completamente aristocrata. Isso tornava a Alemanha um país “atrasado” na visão das duas potencias e, sem dúvida, tornava o país bem mais conservador.

Partindo dessa noção, Marx e Engels no Manifesto Comunista escreveram sobre os diferentes tipos de socialismo e no tópico “socialismo reacionário” existe um tipo específico de socialismo do qual Marx e Engels intitularam de “socialismo alemão ou o ‘verdadeiro socialismo’”. Sim, quando as ideias do socialismo utópico, tipicamente francesas, chegaram até os intelectuais alemães, eles alegaram que aquilo não era o “socialismo de verdade” e projetaram um novo tipo de socialismo tipicamente alemão.

Nas palavras de Marx: “Emascularam completamente a literatura socialista e comunista francesa. E como nas mãos dos alemães essa literatura tinha deixado de ser a expressão da luta de uma classe contra outra, eles se felicitaram por terem-se elevado acima da ‘estreiteza francesa’, e terem defendido não verdadeiras necessidades, mas a ‘necessidade da verdade’; não os interesses do proletário mas os interesses do ser humano, do homem em geral, do homem que não pertence a nenhuma classe nem à realidade alguma e que só existe no céu brumoso da fantasia filosófica”

É verdade que Marx ao construir o materialismo histórico e dialético utilizou-se de três diferentes heranças intelectuais: da noção de socialismo desenvolvida na França, da economia política desenvolvida na Inglaterra e da filosofia alemã. A Alemanha era um grande berço filosófico, mas tratava-se de uma filosofia tipicamente idealista. Enquanto os franceses pensavam num socialismo concreto, baseado na mudança real e na extinção das desigualdades (um socialismo ainda não completo porque não era científico como o desenvolvido posteriormente por Marx e Engels); os alemães pensavam no socialismo de uma forma idealista, acreditavam que os bons homens, de essência pura, alcançariam cada vez mais essa pureza da alma e a partir dessa conquista (no plano, obviamente, das ideais), seria possível alcançar uma nova sociedade também igualmente pura. Se um materialista acreditava que a mudança vinha de fora pra dentro, ou seja, constrói-se uma sociedade mais justa para que os homens tornem-se melhores; para grande parte da filosofia alemã, os problemas sociais eram gerados por maus homens, que precisavam primeiro mudar porque isso consequentemente geraria uma sociedade mais pura e evoluída.

O socialismo alemão dizia ser o “verdadeiro socialismo”, pois alegava que os franceses estavam presos em política e outras práticas que depravavam a alma. Isso mesmo, era comum do pensamento intelectual alemão acreditar que a política era algo “degenerado” e ruim e que os homens deviam se concentrar em elevar suas almas, e não mudar o mundo no plano concreto. Não à toa, por causa dessa cultura idealista, a Alemanha demorou muito pra se unificar, porque os intelectuais desincentivavam as ações políticas e, por vezes, acreditavam numa visão platônica -distorcida- sobre a sociedade em que possíveis líderes mais esclarecidos chegariam para iluminar o povo (basicamente o que o povo alemão deixou acontecer na unificação alemã de 1871 guiada por Otto Von Bismarck).

O socialismo alemão era tipicamente conservador, não concebia a noção da existência de classes sociais e era contrário à toda e qualquer ação política que rompesse abruptamente com as estruturas. E foi dessa fonte de “socialismo” que Hitler bebeu.

Aliás, o socialismo alemão acreditava que a sociedade podia viver harmoniosamente, mesmo com as diferenças entre ricos e pobres, as diferenças entre os que mandam e são mandados, porque existiria algo em comum que os uniria, e esse algo seria o ser universal, o homem em absoluto e em essência. Assim que toda a sociedade alcançasse este ser abstrato, ela seria um lugar melhor e todos viveriam em comunhão, em “socialismo”, que seria toda a nação (mesmo com as divergências) unida por uma mesma causa.

Hitler acreditava exatamente nisso e foi além. O socialismo de Hitler não visava a extinção das classes sociais, mas visava que as diferentes classes pudessem se unir em prol de um algo em comum, a Alemanha. Digo que Hitler foi além porque dentro dessa visão tipicamente idealista de que os problemas do mundo seriam resolvidos quando os “maus homens” evoluíssem, Hitler reformulou uma já velha ideia, a ideia de que algumas “raças” e indivíduos seriam moralmente superiores. Essa ideia já existia e já era muito forte na Alemanha, o que Hitler fez foi “concluir” que algumas “raças” não tinham sequer conserto e jamais evoluiriam espiritualmente e, portanto, para construir uma sociedade mais evoluída, era preciso eliminar esse mal. Assim nasce o pensamento eugenista de Hitler.

Mas por que isso era considerado “socialismo”? Ora, é preciso lembrar que Hitler de fato odiava o liberalismo — e é inclusive esse um dos argumentos rasos que os indivíduos de direita utilizam para dizer que nazismo era de esquerda — e odiava porque dentro do liberalismo o nacionalismo se enfraquecia cada vez mais e as pessoas já não buscavam mais o “algo em comum” e sim viviam suas vidas de maneira cada vez mais individual. Não pensavam num “bem para a nação”, mas sim num bem para si próprios e isso irritava Hitler. Na concepção hitleriana de socialismo, a palavra significava que os indivíduos prezariam pela sociedade como um todo e não só pelo individual e ao pensar nessa sociedade, todos coletivamente ajudariam a cooperar e a construir esse novo mundo ideal. Por isso, Hitler era extremamente racista e nacionalista, pois como não iria extinguir as diferenças primordiais existentes entre as classes, precisava que os alemães das diferentes camadas sociais, se sentissem pertencentes a um mesmo ideal e ligados por um mesmo sangue. Hitler fazia com que pobres e ricos se sentissem “irmãos” através da raça e da nacionalidade em comum, pois todo o resto continuava infinitamente desigual.

O pensamento coletivista não é exclusividade da esquerda e acreditar nisso fez com que muitos direitistas enxergassem em Hitler um resquício esquerdista. O liberalismo e a pregação exacerbada do individualismo não são a única forma possível de direita. Aliás, até mesmo dentro do liberalismo é possível existir um coletivismo quando necessário. Quando a extrema direita está no poder e deseja controlar as massas, ela precisa apelar para o coletivismo, para o sentimento de igualdade e de pertencimento. Inclusive, não é incomum ouvir nos dias de hoje indivíduos da classe trabalhadora perdendo todos os seus direitos dizendo algo como: “vou fazer esse sacrifício pelo bem do Brasil”, é a velha ideia de que é possível abrir mão de seus anseios e direitos pessoais por um “bem em comum”. Ideia essa que se não atrelada a uma prática política revolucionária, é facilmente apropriada pelo conservadorismo, pois o mesmo apelará para a “moralidade” do cidadão. Bons cidadãos fazem caridade, pensam no outro, buscam a igualdade, só que sem a prática política coerente são cooptados pela direita conservadora que dirá que todo esse anseio é fruto de uma “bondade cristã” e não de um anseio revolucionário de mudar o mundo.

Aliás, Hitler não se baseou somente no pensamento típico de seu país, ele também se inspirou nos clássicos gregos. Hitler era um exímio amante da filosofia grega em especial os escritos de Aristóteles e Platão. No que diz respeito a Platão em específico, por exemplo, se inspirou bastante na ideia do filósofo sobre uma “República”. A visão sobre uma sociedade específica de Platão encontrada em “A República” abarca a ideia de que o melhor tipo de governo é um governo aristocrático, não hereditário, mas sim um em que o aristocrata em si alcançaria o poder pelo mérito, um governo exercido pelas pessoas mais sábias do Estado. Se parece bastante com o regime que Hitler instalou na Alemanha, inclusive. Uma elite “sábia” governaria o povo por meio de duras repressões, se necessário. Não estou dizendo que Platão era um nazista, mas sim admitindo que suas ideias foram apropriadas, modificadas e até mesmo mal interpretadas por ditadores.

Hitler discordava completamente da visão de que a sociedade era dividida em classes sociais. Ele, diferente dos marxistas, acreditava que as mazelas sociais não eram causadas por uma desigualdade social, mas sim pelo espírito impuro de alguns. Por exemplo, para um materialista, a violência não é o problema em si, mas sim uma consequência de um problema maior que é a desigualdade causada pela propriedade privada. Porém, para os idealistas de direita, a violência é um problema não causado pela realidade concreta, mas pelos violentos em si que são pessoas más por essência e, portanto, para acabar com a violência é preciso eliminar quem a causa. É uma visão eugenista de melhora da sociedade, visão eugenista que já era defendida (de formas diferentes) por Platão.

Atualmente é impossível chamar Hitler de socialista, porque a disputa por esse termo já foi vencida por nós marxistas e, hoje em dia, ser socialista significa ser de extrema esquerda, significa buscar a extinção das classes sociais e da propriedade privada. Porém, precisamos analisar Hitler baseado em seu tempo, pois se olharmos para o partido nazista com a visão que temos hoje sobre o que é socialismo, realmente vai parecer surreal o encaixe do termo com a ideologia nazista. Mas, Hitler queria mesmo retirar a palavra socialismo dos marxistas e é, por isso, que o partido nazista tinha socialismo no nome, se Hitler tivesse ganho a Segunda Guerra, talvez tivesse conseguido se apropriar do termo, talvez tivesse ganho a disputa ideológica; como perdeu, porém, o socialismo que Hitler idealizava foi completamente esquecido, mas ele existiu e precisamos relembrar disso.

Não nos esqueçamos que termos e conceitos são também objetos de disputa entre as classes sociais e da mesma forma que o termo “democracia” foi alvo de incansáveis disputas, e foi no fim apropriado pelos burgueses, o termo socialismo, felizmente, ficou com a gente.

Aliás, ainda no Manifesto Comunista, Marx e Engels falam sobre o socialismo conservador ou burguês, um socialismo que criaria uma sociedade igual não pela eliminação da desigualdade, mas pela eliminação dos desiguais; também algo semelhante com o que Hitler idealizava sobre o termo.

Socialismo, em seu cerne, significava uma sociedade mais igualitária que vivesse em comunhão, agora a forma como as pessoas acreditavam que iam alcançar isso variava e MUITO. Se formos pensar no termo de forma seca, que programa político ou pessoa não anseia alcançar a igualdade e a harmonia, alias? Todos os espectros políticos podiam se considerar socialistas se socialismo significasse somente isso, como já significou, a questão é que alguns acreditam que chegarão a esse resultado mascarando as diferenças sociais e pedindo para que trabalhador de a mão para o patrão que lhe explora pelo bem “em comum”.

Por fim, deixo as palavras do próprio Hitler que evidenciam bem a disputa que ele queria travar pelo termo: “Socialismo é a ciência de lidar com o bem comum. Comunismo não é socialismo. Marxismo não é socialismo. Os marxistas roubaram o termo e confundiram seu significado. Eu irei tomar o socialismo dos socialistas” e também: “O marxismo não tem o direito de se disfarçar de socialismo. Socialismo, ao contrário de marxismo, não repudia a propriedade privada. Ao contrário do marxismo, não envolve a negação da personalidade e, ao contrário do marxismo, é patriótico.

Basicamente, Hitler queria que as pessoas esquecessem as diferenças produzidas pelo capitalismo e se unissem pela nação; nada de muito diferente do que grande parte dos governos burgueses fazem hoje em dia, a diferença é que ele chamava isso de socialismo.

https://medium.com/@veronicadomingues1917/por-que-o-partido-nazista-tinha-a-palavra-socialismo-no-nome-825bb2845bfa

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Será aconselhável que um não especialista em assuntos econômicos e sociais manifeste pontos de vista sobre o tema “socialismo”? Por várias razões, eu acredito que sim.

Comecemos considerando a questão pelo ponto de vista epistemológico [isto é, que analisa o próprio conhecimento científico]. Poderia parecer que não houvesse diferenças metodológicas essenciais entre a Astronomia e a Ciência da Economia: nos dois campos, os cientistas tentam descobrir leis que sejam aceitáveis de modo generalizado para um determinado grupo de fenômenos, com a finalidade de tornar compreensível a interconexão desses fenômenos do modo mais claro possível.

Na realidade, diferenças metodológicas existem. No campo da Economia, a descoberta de leis gerais é dificultada pela circunstância de que os fenômenos econômicos observáveis são com frequência afetados por muitos fatores que é muito difícil avaliar separadamente.

Além disso, como é bem sabido, a experiência acumulada desde o início do assim chamado período civilizado da história humana tem sido grandemente influenciada e limitada por fatores cuja natureza de nenhum modo é exclusivamente econômica.

Por exemplo, a maioria dos grandes Estados da história deveu sua existência à conquista. Os povos conquistadores estabeleceram a si mesmos, legal e economicamente, como a classe privilegiada do território conquistado; apossaram-se do monopólio da propriedade da terra e designaram uma classe sacerdotal a partir de suas próprias fileiras. Os sacerdotes, no controle da educação, fizeram da divisão da sociedade em classes uma instituição permanente, criando um sistema de valores pelo qual o comportamento social das pessoas passou a ser guiado desde então, em grande medida em nível inconsciente.

Mas a tradição histórica começou ontem, por assim dizer. Em nenhum lugar nós superamos de fato o que Thorstein Veblen chamou de “fase predatória” do desenvolvimento humano. Os fatos econômicos observáveis pertencem a essa fase, e as leis que podemos derivar deles não são aplicáveis a outras fases. Como o verdadeiro propósito do socialismo é precisamente superar a fase predatória do desenvolvimento humano e avançar para além dela, a Ciência Econômica em seu estado atual pode esclarecer bem pouco sobre a sociedade socialista do futuro.

Em segundo lugar, o socialismo se direciona para uma finalidade socioética. A ciência, no entanto, não tem o poder de criar finalidades, e muito menos de instilá-las nos seres humanos; a ciência pode, no máximo, fornecer os meios com que atingir certas finalidades. As finalidades são concebidas por personalidades com ideais éticos elevados – ideais esses que, quando não são natimortos e sim cheios de vida e vigor – são adotados e levados adiante por aquela multitude de seres humanos que, de modo parcialmente inconsciente, terminam por determinar a evolução da sociedade.

Por essas razões, deveríamos nos precaver no sentido de não superestimar a ciência e os métodos científicos quando o que está em questão são problemas humanos – e não deveríamos presumir que somente especialistas têm direito a se manifestar sobre as questões que afetam a organização da sociedade.

Incontáveis vozes vêm afirmando, já desde há algum tempo, que a sociedade humana está passando por uma crise; que sua estabilidade foi gravemente abalada. É característico dessa situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou até mesmo hostis ao grupo a que pertencem, seja o pequeno grupo ou ao grupo de maior escala. Permitam-me recordar aqui uma experiência pessoal para ilustrar o que quero dizer: não faz muito, eu debatia com um homem inteligente e de boa disposição sobre a ameaça de mais uma guerra – o que, na minha opinião, poria em sério perigo a existência da humanidade – e observei que somente uma organização supranacional ofereceria proteção contra esse perigo. Nesse ponto o meu visitante me disse, com toda calma e indiferença: “Mas por que você se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?”

Tenho certeza que apenas um século atrás ninguém teria declarado algo desse tipo com toda essa despreocupação. Temos aí uma declaração de um homem que lutou em vão para alcançar um equilíbrio interior e mais ou menos perdeu a esperança de alcançá-lo. É expressão de uma dolorosa solidão e isolamento, de que tanta gente sofre hoje em dia. Qual é a causa? Existe saída?

É fácil levantar essas perguntas, mas é difícil respondê-las com qualquer grau de segurança. No entanto eu preciso tentar, o melhor que puder, embora esteja bem consciente de que nossos sentimentos e aspirações são muitas vezes contraditórios e obscuros, e não podem ser expressos em nenhuma fórmula simples e fácil.

O homem é ao mesmo tempo um ser solitário e um ser social. Como ser solitário, ele tenta proteger sua própria existência e a dos que lhe são mais próximos, satisfazer seus desejos pessoais, desenvolver suas habilidades inatas. Como ser social, busca conquistar o reconhecimento e afeição dos seus companheiros de humanidade, compartilhar de seus prazeres, confortá-los em seus sofrimentos, melhorar suas condições de vida. Somente a existência dessas diferentes aspirações, muitas vezes conflitantes, já responde pelo caráter especial de uma pessoa, e sua combinação específica determina a medida em que o indivíduo consegue, por um lado, alcançar um equilíbrio interior e, por outro lado, consegue contribuir para o bem-estar da sociedade.

É bem possível que a intensidade relativa desses dois impulsos seja, em seu principal, determinada pela hereditariedade – mas a personalidade que termina emergindo é formada em ampla medida pelo ambiente em que acontece de a pessoa se encontrar durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que ela cresce, pela tradição daquela sociedade, e pelo valor que a sociedade atribui a este ou àquele tipo de comportamento.

Para o indivíduo humano, o conceito abstrato “sociedade” significa a soma de suas relações diretas e indiretas com os seus contemporâneos e com todas as pessoas das gerações anteriores. O indivíduo é capaz de pensar, sentir, aspirar e trabalhar por si mesmo; mas [ao mesmo tempo] ele depende tanto da sociedade – em sua existência física, intelectual e emocional – que é impossível pensá-lo ou entendê-lo fora da moldura que é o contexto social. É “a sociedade” o que lhe proporciona comida, roupas, um lar, a ferramentas do seu trabalho, a linguagem, as formas de pensar, e a maior parte do conteúdo do pensamento; a sua vida se faz possível mediante o trabalho e realizações dos muitos milhões, passados e presentes, que estão escondidos por trás da pequena palavra “sociedade”.

É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade é um fato da natureza que não pode ser abolido – tanto quanto o é no caso das formigas e abelhas. No entanto, enquanto o inteiro processo de vida das formigas e abelhas é determinado nos mínimos detalhes por instintos hereditários rígidos, o padrão social e os inter-relacionamentos dos seres humanos são altamente variáveis e suscetíveis de mudanças. A memória, a capacidade de realizar novas combinações e o dom da comunicação verbal possibilitaram desenvolvimentos, entre os seres humanos, que não são ditados por necessidades biológicas. Tais desenvolvimentos se manifestam em tradições, instituições e organizações; em literatura; em realizações científicas e técnicas; em obras de arte. Isso explica como acontece de o ser humano ser capaz de, em certo sentido, influir em sua vida mediante a sua própria conduta, e de que nesse processo o pensamento e a vontade conscientes consigam desempenhar um papel.

O ser humano adquire ao nascer, através da hereditariedade, uma constituição biológica que precisamos considerar determinada e inalterável, inclusive os impulsos naturais que são característicos da espécie humana. Em acréscimo, ao longo de sua vida ele adquire uma constituição cultural que ele adota da sociedade por meio da comunicação e de muitos outros tipos de influências. É a sua constituição cultural que está sujeita a mudanças com a passagem do tempo, e que determina em vasta medida a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna nos ensinou, através da investigação comparativa das culturas chamadas de primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode diferir grandemente, dependendo dos padrões culturais e dos tipos de organização que predominam na sociedade. Os que se empenham em melhorar a condição humana podem fundamentar suas esperanças nisso: seres humanos não estão condenados por sua constituição biológica a aniquilarem uns aos outros, nem a estar à mercê de um destino cruel autoinfligido.

Se nos perguntarmos de que modo a estrutura da sociedade e a atitude cultural do ser humano deveriam ser mudados para tornar a vida humana tão satisfatória quanto possível, deveríamos estar sempre conscientes de que há certas condições que somos incapazes de modificar. Como já foi mencionado, para todos os efeitos práticos a natureza biológica do ser humano não é modificável. Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições que estão aqui para ficar. Em populações assentadas com considerável densidade, levando em conta os bens que são indispensáveis para a continuidade de sua existência, tornam-se absolutamente indispensáveis uma extrema divisão de trabalho e um aparato produtivo altamente centralizado. Foi-se para sempre o tempo – que, olhando-se para trás, parece tão idílico – em que indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente autossuficientes. Há pouco exagero em dizer que a humanidade já constitui uma comunidade planetária de produção e consumo.

Cheguei agora ao ponto em que posso indicar brevemente o que, para mim, constitui a essência da crise do nosso tempo: refere-se à relação do indivíduo com a sociedade. O indivíduo se tornou mais consciente do que nunca de sua dependência da sociedade – mas sua experiência dessa dependência não é a de um bem positivo, um laço orgânico, uma força protetora, e sim a de uma ameaça aos seus direitos naturais, ou até mesmo à sua existência econômica. Além disso, o indivíduo está posicionado na sociedade de modo tal, que os impulsos egoístas da sua constituição recebem reforço constante, enquanto que os seus impulsos sociais, que por natureza já são mais fracos, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, qualquer que seja sua posição na sociedade, vêm sofrendo esse processo de deterioração. Prisioneiros de seu próprio egoísmo sem saber disso, sentem-se inseguros, sozinhos e privados de todo desfrute da vida que seja inocente, simples, não sofisticado. O ser humano somente pode encontrar sentido na vida, curta e arriscada como é, mediante sua dedicação à sociedade.

A anarquia econômica da sociedade capitalista como existe hoje é, na minha opinião, a verdadeira fonte do mal. Vemos diante de nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros se empenham sem cessar em privar uns aos outros dos frutos de seu trabalho coletivo – não por força, mas em inteiro e fiel cumprimento de regras estabelecidas legalmente. A respeito disso, é importante dar-se conta [do papel do fato] de que os meios de produção – quer dizer, tudo o que dá capacidade de produzir bens para os consumidores, bem como bens de capital adicionais – possam ser propriedade privada de indivíduos (e de fato o sejam, em sua maior parte).

Pelo bem da simplicidade, na discussão a seguir chamarei de “trabalhadores” todos os que não têm parte na propriedade dos meios de produção – embora isso não corresponda com exatidão ao uso costumeiro do termo. O proprietário dos meios de produção está em posição de comprar a força de trabalho do trabalhador. Usando os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que se tornam propriedade do capitalista. O ponto essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e aquilo que lhe pagam, ambos medidos em termos de valor real. Na medida em que a contratação do trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe não é determinado pelo valor real dos bens que ele produz, e sim por quais são suas necessidade mínimas, bem como pela relação entre a demanda por força de trabalho por parte dos capitalistas e o número de trabalhadores que competem por empregos. É importante entender que nem mesmo na teoria o pagamento do trabalhador é determinado pelo valor do seu produto.

Capital privado tende a se concentrar em poucas mãos, em parte devido à competição entre os capitalistas, em parte porque o desenvolvimento tecnológico e o crescimento da divisão do trabalho estimulam a formação de unidades de produção maiores, em prejuízo das menores. O resultado desses desenvolvimentos é uma oligarquia do capital privado, cujo enorme poder não pode ser efetivamente controlado sequer por uma sociedade política democraticamente organizada.

Isso é assim porque os membros dos corpos legislativos são selecionados por partidos políticos, que são amplamente financiados, ou influenciados de algum outro modo, por capitalistas privados que, para todos os propósitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem de fato e de modo suficiente os interesses dos setores menos privilegiados da população. Além disso, nas condições atuais os capitalistas privados inevitavelmente controlam, direta ou indiretamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). Torna-se assim extremamente difícil para o cidadão individual, e de fato impossível na maioria dos casos, chegar a conclusões objetivas e fazer uso inteligente dos seus direitos políticos.

A situação predominante em uma economia baseada na propriedade privada de capital caracteriza-se então por dois princípios centrais: primeiro, os meios de produção (capital) são possuídos privadamente, e os proprietários dispõem deles como acham melhor; segundo, a contratação de trabalho é livre [isto é, não regulada]. É claro que não há sociedade capitalista pura nesse sentido. Em especial, é preciso registar que os trabalhadores, através de longas e amargas lutas políticas, conseguiram assegurar uma forma um tanto melhorada de “livre contrato de trabalho” para algumas categorias de trabalhadores. Mas, tomada em seu conjunto, a economia atual não difere muito de um capitalismo “puro”.

A produção é realizada com a finalidade do lucro, não com a do uso. Não existem disposições para garantir que todas as pessoas capazes e dispostas a trabalhar sempre consigam achar emprego; quase sempre existe um “exército de desempregados”. O trabalhador está perpetuamente com medo de perder seu emprego. Devido ao fato de que desempregados e trabalhadores mal pagos não formam um mercado rendoso, a produção de bens de consumo é restrita, o que resulta em grandes privações. O progresso tecnológico resulta com frequência em mais desemprego, em lugar de aliviar a carga de trabalho para todos. O lucro como motivação, em conjunto com a concorrência entre os capitalistas, é responsável por uma instabilidade na acumulação e utilização do capital, a qual leva a crises cada vez mais graves. A competição irrestrita leva a um gigantesco desperdício de força de trabalho, e também àquela deformação da consciência social dos indivíduos, que eu mencionei anteriormente.

Essa deformação dos indivíduos, eu a considero o pior dos males do capitalismo. Nosso sistema educacional inteiro sofre desse mal. Uma atitude competitiva exagerada é inculcada no estudante, que, como preparação para sua futura carreira, é treinado para idolatrar um sucesso aquisitivo.

Estou convencido de que existe apenas um caminho para eliminar esses graves males, e esse é o estabelecimento de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educacional orientado para objetivos sociais. Em uma economia tal, os meios de produção são propriedade da própria sociedade, e utilizados de modo planejado. Uma economia planejada, que ajusta a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre todos os capazes de trabalhar, e garantiria o sustento de cada homem, mulher e criança. A educação do indivíduo, além de desenvolver suas próprias habilidades inatas, se empenharia em desenvolver nele um senso de responsabilidade por seus companheiros de humanidade, em lugar da glorificação do poder e do sucesso, como temos na sociedade atual.

Contudo é preciso lembrar que uma economia planejada ainda não é socialismo. Uma economia planejada pode ser acompanhada por uma escravização completa do indivíduo. A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sociopolíticos extremamente difíceis: como é possível, em face da centralização abrangente do poder político e econômico, impedir que a burocracia se torne todo-poderosa e prepotente? Como se podem proteger os direitos do indivíduo e garantir com isso um contrapeso democrático ao poder da burocracia?

A clareza quanto às metas e aos problemas do socialismo é da mais alta significação em nossa era de transição. Como, na conjuntura atual, a discussão livre e sem barreiras destes problemas se tornou um grande tabu, eu considero a fundação desta revista um relevante ato de interesse público.

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Exploração para Eles, Social-Democracia para Nós

  • Assim pensam os países de primeiro mundo, os europeus e os famosos países nórdicos Wiliam de Abreu

A França com seu sotaque encantador e romantismo parisiense, preocupa-se com a bela natureza brasiliense, vejam só como são altruístas. País este que incorporou as grandes explorações mundo à fora, acumulando colônias ao bel-prazer do poder econômico. Grande país. Lembremos ainda dos desajustados e rebeldes negros do Haiti que se organizaram para a revolução de 1791 contra os queridos franceses. Que asco. Mas dizem-nos que após as guerras pela independência de suas colônias, das riquezas terceiras a França se absteve. Não é mentira, concordamos. Os franceses se abstiveram da força militar para impor sua dominação sobre suas ex-colônias, agora o mundo modernizou-se, e a França também. Trocou a coerção das baionetas, pela coerção monetária. O país francês detém ainda hoje forte influência econômica direta sobre 15 países africanos. “Abolição pelo estado do franco francês, um sistema monetário neocolonialista, que escravizou pessoas de 15 países africanos. O franco CFA é uma pilhagem sistemática de controle monetário e de recursos imposta pela França em 15 países africanos. Este sistema monetário surgi a partir do regime nazista imposta a França durante a 2ª Guerra Mundial, durante a ocupação.”¹ E nisso, concluímos que o clima parisiense é agradável, mas fora dele é um tanto problemático, por isso os franceses há de cuidarem dos outros países.

A Noruega, país exaltado por muitos pela sua belíssima organização social e qualidade de vida altíssima, se solidariza com a situação brasileira. Com a catástrofe ambiental no Brasil, ocasionada pelo belo sistema do capital e suas dinâmicas, os noruegueses não se deixam de fora e participam disso. Transferiram grandes industrias de mineração para o solo do amazonas e segundo anuncia a BBC: “Mineradora norueguesa tinha ‘duto clandestino’ para lançar rejeitos em nascentes amazônicas”², observem a qualidade de vida esbanjada pelos noruegueses.

A Suíça, com uma segurança exemplar, educação de qualidade e outras regalias à mais. São ainda um dos países conhecidos por ter um dos melhores chocolates do mundo e também serem um dos maiores produtores de chocolates do mundo³. Sabe o que é maravilhoso nisso? O país não tem nenhuma industria de cacau nacional. Todas as industrias de cacau Suíça ficam no continente africano, onde exploram os recursos naturais e também a mão de obra análogo à escravidão do povo africano. É tão batido e repetitivo ficar falando do povo africano à margem das grandes nações exemplares, por que não se desenvolvem, oras?

Quando a nossa queridíssima Finlândia estipula carga horária de 5 horas para os trabalhadores de sua grandiosa nação, é porque a Nokia localizada em países periféricos detém a carga horária de até 12 horas. Dando assim cada vez mais trabalhos para os países terceiros, para ensiná-los à chegarem ao desenvolvimento nato, grande ato finlandês.

Enfim, a social-democracia não funciona sem a exploração externa. O capitalismo precisa da exploração do homem pelo homem para sua manutenção. Para manter-se desenvolvido é preciso que a maioria sirva uma minoria de forma à serem explorados e jogados na periferia do sistema. E quando essa minoria comete um ato filantrópico para com os países localizados na periferia, saudamos sua benevolência.

https://medium.com/comunismo-ci%C3%AAncia-do-trabalhador/explora%C3%A7%C3%A3o-para-eles-social-democracia-para-n%C3%B3s-c958ba712330